domingo, 16 de abril de 2017

FELIZ PÁSCOA








"Feliz Páscoa aos que desdobram a subjetividade, 
rompendo a casca do ego para deixar renascer
 a mulher ou o homem novo, 
e a quem se nutre de TV sem enxergar as maravilhas
 encerradas no próprio peito.
Feliz Páscoa aos artífices da paz que, entre conflitos,
 exalam suavidade, não achibatam
 com a língua a fama alheia, nem naufragam
 nas próprias feridas. 
E aos emotivos que deixam escapar das mãos
 as rédeas da paciência 
e nunca abandonam as esporas da ansiedade.
Feliz Páscoa aos que tecem com o olhar 
o perfil da alma e, no silêncio dos toques, 
curam a pele de toda aspereza.
 E aos amantes tragados pelo ritmo incessante 
de trabalho, carentes de carícias, 
que postergam para o futuro o presente 
que nunca se dão.
Feliz Páscoa a quem acredita ser o ovo portador
 de vida,
 sem que a fé exija que o quebre, 
e aos incrédulos e a todos que jamais dobraram 
os joelhos diante do mistério divino.
Feliz Páscoa aos que identificam as trilhas 
aventurosas da vida mapeadas na geografia 
de suas rugas e não se envergonham da topografia
 disforme de seus corpos. 
E a todos aqueles que, robotizados pela moda, 
se revestem de estátuas gregas carcomidas pela anorexia, 
sem se dar conta de que a mente mente.
Feliz Páscoa aos que ousam ser gentis e doces, 
sem pudor de abraçar o menino
 que carregam dentro de si. 
E aos afoitos, competitivos, turbinados 
e sarados,
 enamorados da própria vaidade, 
incapazes de suportar uma fila de espera.
Feliz Páscoa aos que sabem amarrar o seu burrico
 à sombra da sabedoria e jamais negociam 
a felicidade em troca de uma arroba de milho que, 
vista à distância, parece pepita de ouro. 
E aos idólatras do dinheiro, fiéis devotos
 dos oráculos do mercado, reféns de pobres desejos 
que, saciados de supérfluos,
 nunca alcançam o essencial.
Feliz Páscoa a quem abre caminhos com 
os próprios
 passos e cultiva em seus jardins
 a rosa dos ventos. 
E aos que colhem borboletas ao alvorecer 
e sabem que a beleza é filha do silêncio.
Feliz Páscoa aos que garimpam utopias nos campos
 da miséria e trazem seus corações prenhes
 de indignação, 
sem jamais olvidar
 o próximo como seu semelhante. 
E aos que, montados na indiferença,
 atropelam delicadezas, até 
que a dor lhes abra a porta do amor.
Feliz Páscoa aos que nunca fecham a janela
 ao horizonte, 
regam suas raízes
 e não temem pisar descalços a terra
 em que nasceram. 
E aos que se embriagam de chuvas,
 ofertam luas à namorada 
e fazem da poesia a sua lógica.
Feliz Páscoa aos colecionadores de araucárias, 
que enfeitam de sonhos suas florestas e, na primavera, 
colhem frutos de plenitude. 
E aos que brincam de amarelinha ao entardecer 
e desconfiam dos adultos exilados da alegria.
Feliz Páscoa aos que se repartem nas esquinas,
 distribuem aos passantes moedas de sol
 e, nada tendo, nada temem.
 E aos que, ao desjejum, abrem sua caixa de mágoas 
e recontam uma a uma, gravando nos cadernos 
do afeto dívidas e juros.
Feliz Páscoa aos que caminham sobre tatames 
e, por terem muita pressa de chegar, jamais correm. 
E aos navegadores solitários, pilotos cegos 
e peregrinos mancos, que se arrastam 
pelas trilhas da desesperança.
Feliz Páscoa aos políticos obrigados a inventar, 
para os outros, o futuro que não se deram no passado,
 e estendem sorrisos para mendigar votos. 
E aos que não se deixam iludir pela insipidez 
da política e nem atiram seus votos na lixeira do 
desinteresse, alimentando ratos.
Feliz Páscoa aos trovadores de esperanças, 
aos fazendeiros do ar e aos banqueiros
 da generosidade, que sabem tirar água do próprio poço.
 E aos que mantêm em cada esquina,
oficinas de conserto do mundo,
 mas desconhecem as ferramentas 
que arrancam as dobradiças do egoísmo.
Feliz Páscoa a quem sequestra o melhor de si,
 escondendo-o nas cavernas de suas mesquinhas 
ambições, sem coragem de pagar 
o resgate da humildade. 
E aos que nunca banem do espírito a presença
 de Deus e fazem da vida uma oração.
Feliz Páscoa às bailarinas fantasiadas de anjos
 que sobem, na ponta dos pés, a curva policrômica 
do arco-íris, e aos palhaços ovacionados 
que, no camarim, se miram tristes no espelho,
 vazios da euforia que provocam.
Feliz Páscoa aos que descobrem Deus escondido
 numa compota de figos em calda ou no vaga-lume 
que risca um ponto de luz na noite desestrelada. 
E aos que aprendem a morrer, todos os dias, 
para os apegos de desimportância
 e, livres e leves, alçam voo rumo ao oceano 
da transcendência".
Frei Beto









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